Page 98 - Revista TCE AM - 2023
P. 98
REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS
mos a explorar o tema central deste artigo. estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá federados, no mister de fiscalização de seus respectivos tributos, inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a
permutar informações com Estados estrangeiros no privacidade quanto à correspondência, às comunicações
interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos. permutarem entre si informações protegidas ou não pelo sigilo telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a
3.1 Hipóteses legais de compartilhamento fiscal, desde que haja previsão em lei ou em convênio. exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de
de informações protegidas pelo sigilo fis- órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para
efeito de investigação criminal ou instrução processual
cal Como pode ser observado, a primeira hipótese permite a Tal hipótese não se trata de quebra de sigilo, mas sim de penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL.
flexibilização do sigilo sempre que uma autoridade do Poder transferência da reponsabilidade do sigilo fiscal. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo
Judiciário, no interesse da justiça, fizer uma requisição. à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o
Se o sigilo é regra, é de se concluir que sua flexibilização deve Por fim, o art. 199, parágrafo único, traz a possibilidade de a afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.
ser feita em estrita conformidade com os dispositivos jurídicos Isso ocorre porque o Poder Judiciário é imparcial e independente, fazenda pública da união permutar informações com estados (RE 389808, Relator(a): MARCO
pátrios. e deve ter acesso aos dados fiscais pertinentes sempre que estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-
a demanda sob sua análise dependa desse acesso para uma tributos. 2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218 RTJ VOL-00220-01
Nesse sentido, o Código Tributário Nacional – CTN, desde sua solução adequada. PP-00540)
promulgação, em 1966, estabeleceu as hipóteses em que o Esta última exceção, conquanto seja importante no que diz
sigilo fiscal pode ser excepcionado, conforme disposto em seu Dessa forma, a autoridade judicial pode requisitar o acesso aos respeito à ação conjunta dos Estados contra a evasão tributária Como se vê, naquela ocasião, ficou estabelecido que o acesso a
art. 198, §1º e art. 199. dados protegidos pelo sigilo fiscal quando necessário para o internacional, não tem ligação intrínseca com este artigo e, por dados bancários dos cidadãos por parte da Receita Federal do
deslinde do processo judicial e a busca pela justiça. isto, nos limitaremos a somente citá-la, sem adentrar em seus Brasil é uma questão sujeita à reserva de jurisdição.
Além de casos eventualmente previstos na Constituição Federal, pormenores.
se entendia que as hipóteses mencionadas no CTN eram as Adicionalmente, ALEXANDRE (2017, p. 617) aponta a atenção A decisão fixou que somente o Poder Judiciário teria o poder de
únicas possíveis, na medida em que o texto original continha a para o uso da expressão “requisição”, que expressa uma ordem 3.2 Casos especiais de compartilhamento autorizar a quebra do sigilo bancário, e mesmo assim apenas para
expressão “unicamente”. que não dá qualquer margem de análise à autoridade requisitada. de informações sigilosas fins de investigação criminal ou processo penal em andamento.
O ato é, pois, vinculado e a sua inobservância constitui ato Contudo, durante o julgamento conjunto das Ações Diretas de
No entanto, a partir de 2001, com a entrada em vigor da Lei atentatório à dignidade da justiça, sujeito às sanções criminais, Outras hipóteses de compartilhamento de informações sigilosas Inconstitucionalidade nº. 2.859, 2.390, 2.386 e 2.397, julgados
Complementar nº 104/01, essa expressão foi suprimida. Com civis e processuais cabíveis. que merecem ser citadas, apesar de não terem ligação direta em 2016, o Supremo Federal reviu a posição adotada no Recurso
essa alteração, outras exceções passaram a ser permitidas, com a proposta deste trabalho são aquelas requisitadas por Co- Extraordinário acima citado.
desde que expressamente previstas em lei. A seu turno, a segunda exceção, contida no art. 198, missões Parlamentares de Inquérito criadas pelo Congresso Na-
§1º, inciso II, diz respeito à solicitação de autoridade cional (CPMI) e suas casas legislativas (CPI), haja vista que essas Nesta ocasião, foi declarada a constitucionalidade dos
Portanto, a flexibilização do sigilo fiscal pode ocorrer em administrativa no interesse da Administração Pública, desde comissões têm poderes de investigação próprios das autorida- dispositivos constantes das Leis Complementares nº. 104/01
situações adicionais, desde que exista uma previsão legal que seja comprovada a instauração regular de processo des judiciais, consoante art. 58, §3º, da Constituição Federal. e 105/01, que permitiam o uso, pela fiscalização tributária, de
específica para tal. administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o dados protegidos por sigilo sem a necessidade de autorização do
objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a De acordo com a Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, no exercício Poder Judiciário.
Passemos agora à análise da referida norma contida no CTN, que informação, por prática de infração administrativa. de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de
assim dispõe: Inquérito determinar diligências que reputarem necessárias TAKEYAMA (2022, p.88) aduz que:
O mesmo autor aduz que se na primeira exceção foi utilizado e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o
o termo requisição, nesta segunda hipótese, o texto se refere depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais
Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, (...) restou consignado que o acesso aos dados sigilosos
é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de a uma “solicitação”, que, em direito, tem o sentido de pedido, ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob mantidos pelas instituições bancárias por parte da Receita
seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sujeito a certo grau de discricionariedade por parte da autoridade compromisso, requisitar da administração pública direta, indireta Federal do Brasil, sem ordem judicial, não tem o condão de
sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo competente para o deferimento. ou fundacional informações e documentos, e transportar-se aos implicar a violação da privacidade, na medida em que não
ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus lugares onde se fizer mister a sua presença. representa efetiva quebra de sigilo. Trata-se, na verdade,
negócios ou atividades. de transferência de dados sigilosos, que permanecem
De igual forma, é de se observar, conforme mencionado abarcados pela garantia legal do segredo.
§1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos no dispositivo legal, que o atendimento à solicitação da
previstos no art. 199, os seguintes: 3.3 Julgados do poder judiciário a respeito Dessa forma, se a informação acessada pela Receita
autoridade administrativa está sujeito ao preenchimento dos do compartilhamento de informações sigi- Federal, sem ordem judicial, for utilizada para a fiscalização
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; seguintes requisitos obrigatórios: (i) a solicitação deve ser e cobrança de tributos, não haveria ilegalidade ou ofensa às
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse formalizada por autoridade administrativa; (ii) a solicitação losas garantias constitucionais, uma vez que a mera transferência
da Administração Pública, desde que seja comprovada a deve ser formalizada no interesse da administração pública; de dados sigilosos não tem o condão de implicar a violação
instauração regular de processo administrativo, no órgão (iii) na solicitação deve estar comprovada a instauração Analisadas as questões normativas sobre o tema, importante da privacidade.
ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o entender a evolução e o atual panorama do sigilo fiscal e suas Note-se que, ao se dizer que há mera transferência de
sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de regular de processo administrativo no órgão ou na entidade exceções perante o poder judiciário, que tem como palco prin- informações não se está a desconsiderar a possibilidade
infração administrativa. solicitante; (iv) o processo administrativo instaurado deve cipal a discussão sobre requisitos e limites da transferência de de utilização dos dados pelo fisco. Está-se, contudo, a
(...) ter como objetivo investigar o sujeito passivo a que se refere dados sigilosos como um todo. dizer que essa utilização não desnatura o caráter sigiloso
a informação solicitada; e (v) o processo administrativo da movimentação bancária do contribuinte, e, dessa forma,
Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do não tem o condão de implicar a violação da privacidade.
Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente instaurado deve ter a finalidade de investigar prática de infração
assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e administrativa pelo sujeito passivo a que se refere a informação No Recurso Extraordinário nº. 389.808/PR, o Pretório Excelso Por sua vez, o Recurso Extraordinário 1.055.941/SP tratava
permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter solicitada ao Fisco. assim se manifestou: precipuamente da questão de compartilhamento de dados
geral ou específico, por lei ou convênio. bancários e fiscais de cidadãos com o Ministério Público e Polícia
Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma O art. 199, caput, traz, ainda, a possibilidade de os entes SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no Judiciária sem necessidade de intermediação do Poder Judiciário.
98 99
ANO • 2 0 23 ANO • 2 0 23