Page 97 - Revista TCE AM - 2023
P. 97
REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS
Definir os limites da intervenção estatal é uma função Inicialmente, busca-se apresentar breve conceito de pertinentes, especialmente os da legalidade e da finalidade Sem dúvidas o tema relativo ao conceito de sigilo fiscal e seus
desempenhada pela Constituição Política de um Estado, administração tributária, de sigilo fiscal e de quebra de sigilo pública (art. 37, caput, CR). limites é tormentoso e comporta discussão suficiente para um
estabelecendo o que o direito reconhece como privacidade, bem fiscal e suas diferenças. artigo inteiro dedicado a este mote.
como suas formas de mitigação. Considerando que devem ser instituídos e cobrados por
Posteriormente, o propósito é investigar as hipóteses legais de todos os entes, a administração tributária existe em todas as Considerando o tema proposto neste artigo, nos limitaremos a
Os regimes de governo serão medidos, nesta relação sobre compartilhamento de informações protegidas pelo sigilo fiscal, esferas (União, estados, Distrito Federal e municípios), sempre este sucinto conceito e seus desdobramentos.
o indivíduo, pelo grau de controle sobre sua liberdade e pela bem como seus casos especiais. Ademais, é dado enfoque no respeitando seus limites com base na lei.
extensão do espaço reservado à privacidade (OLIVEIRA, 2019, histórico de julgados, por parte do Poder Judiciário, a respeito 2.3 Diferença entre transferência e quebra
p.193). do compartilhamento de informações sigilosas envolvendo 2.2 Conceito de sigilo fiscal de sigilo
Tribunais de Contas.
Quanto mais autoritário um Estado, menor será a privacidade Conhecido o que significa a administração tributária, extrai-se, A transferência do sigilo se dá quando os dados são compartilha-
e a liberdade do indivíduo. Dentro deste espectro Por fim, é feita uma análise de viabilidade técnica e jurídica de por óbvio, que ela tem acesso a documentos sensíveis sobre os dos, por exemplo, de uma instituição financeira à administração
constitucionalmente previsto, o indivíduo busca exercer sua realização de Acordos de Cooperação Técnica entre os órgãos da contribuintes, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. tributária, mas continuam excluídos do acesso público, pois só a
liberdade de ação e proteção pessoal. administração tributária e os Tribunais de Contas, com proposta autoridade administrativa-fazendária terá acesso a elas.
de encaminhamento a respeito do tema. O Código Tributário Nacional – CTN afirma, em seu art. 198,
Pode-se dizer que o regime democrático é relacionado com a caput, que “é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública
transparência, pois pode-se definir a democracia das maneiras Assim, buscaremos, nas próximas páginas, destacar os pontos ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício Por outro lado, a quebra de sigilo fiscal ocorre quando os registros
as mais diversas, mas não existe definição que possa deixar de acima referenciados, sob a ótica da transparência pública, do sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou protegidos são divulgados ao público em geral. Esta quebra pode
incluir em seus conotativos a visibilidade ou transparência do acesso a dados particulares e de seu compartilhamento. de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou ser tanto lícita, quanto ilícita, como se verá mais adiante.
poder (BOBBIO, 1986, p.10). atividades”.
2. BREVES CONCEITOS E HISTÓRICO Esta foi a tese adotada pelo Supremo Tribunal Federal no
No Brasil, a Carta Cidadã de 1988, estabeleceu que “são NECESSÁRIOS AO ENTENDIMENTO DO O Manual do Sigilo Fiscal da Receita Federal do Brasil define o julgamento do RE 1055941/SP, julgado pela sistemática de
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem TEMA sigilo fiscal como dever/obrigação “imposta à Fazenda Pública e repercussão geral, de que a quebra de sigilo bancário é quando
das pessoas”. Ademais, fincou que é inviolável “o sigilo da a seus servidores de não divulgar informação obtida em razão os dados antes protegidos em virtude do direito de intimidade
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e Antes de abordamos no tema central deste artigo, importante do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passam a ser acessíveis pelo Estado-juiz e pelos sujeitos parciais
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem fazer brevíssimas considerações acerca de conceitos que o passivo, ou de terceiros, e sobre a natureza e o estado de seus do processo, ao passo que a transferência de sigilo se dá quando
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins permeiam. negócios ou atividades”. os dados continuam excluídos do acesso público, mas sob a
de investigação criminal ou instrução processual penal”. guarda do Poder Público, transmutando-se apenas o portador
2.1 Conceito de administração tributária A Portaria da Receita Federal nº 2.344/2011 preconiza que: (de um que tem o dever de sigilo para outro que tem a obrigação
Lado outro, a mesma Constituição Republicana estatui que “fica de sigilo).
facultado à administração tributária identificar, respeitados Uma das funções básicas do Estado é aquela ligada à atividade Art. 2º São protegidas por sigilo fiscal as informações sobre
os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os arrecadadora, que acompanha, controla e fiscaliza o cumprimen- a situação econômica ou financeira do sujeito passivo CASTRO (2003, p.8) afirma que essa entrega de dados ou
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”, sendo to do plexo normativo tributário. ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus informações fiscais pode ser classificada em (i) ilícita; (ii) lícita;
esta uma clara mitigação constitucional da proteção aos dados negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para e (iii) transferência:
fiscais pessoais. Assim, a administração tributária é o conjunto de pessoas e fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive
aduaneiros, tais como:
atos que visam à (i) verificação do cumprimento das obrigações No caso de quebra ilícita entrega-se informação sigilosa
Neste embate jurídico-tributário-financeiro, fisco e contribuinte, tributárias, (ii) adoção de medidas proporcionais a obrigar os I - as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, desinteressante (juridicamente) para terceiro (como
créditos, dívidas e movimentação financeira ou patrimonial;
se relacionam sistemicamente, constrangendo-se com o exercício sujeitos passivos a cumpri-la, em caso de descumprimento; e aquelas qualificadas constitucionalmente relacionadas com
da legalidade e da cidadania fiscal, convergindo num formato de (iii) homologação de quitação dos correspondentes créditos II - as que revelem negócios, contratos, relacionamentos a intimidade e vida privada) ou entrega-se informação sem
comerciais, fornecedores, clientes e volumes ou valores de
Estado que traz essa ressonância tributária e que sobre esta tributários. compra e venda; substrato em interesse jurídico legítimo.
intervém. Neste embate republicano, o conhecimento mútuo A quebra lícita significa a entrega a terceiro de informação
sobre os propósitos do confrontante possibilita o encadeamento De maneira simples, mas precisa, COSTA (2019, p. 330) afirma III - as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, fiscal com base em demonstração de interesse legítimo
(decorrente de direito demonstrado).
composição e fatores de produção.
de uma democracia desenvolvimentista, refinada pela que a administração tributária deve ser vista sobre dois aspectos,
transparência dos procedimentos e objetivos desta sociedade um subjetivo e outro objetivo: § 1º Não estão protegidas pelo sigilo fiscal as informações: Por fim, a transferência implica na entrega de informações
fiscais para o exercício de atribuições institucionais
plural, com seus atores não tão mais polarizados (OLIVEIRA, p. I - cadastrais do sujeito passivo, assim entendidas as que consagradas na ordem jurídica, afastada a possibilidade de
179, 2019). Em sentido subjetivo, primeiramente, compreende permitam sua identificação e individualização, tais como uso diverso e divulgação para terceiros (art. 198, §2º, do
nome, data de nascimento, endereço, filiação, qualificação
o aparelhamento burocrático mantido pelos entes e composição societária; Código Tributário Nacional).
Este artigo se propõe a contextualizar o tema da administração autorizados a tributar, composto por múltiplos órgãos,
tributária, dos Tribunais de Contas e da transparência incumbidos da arrecadação e da fiscalização de tributos. II - cadastrais relativas à regularidade fiscal do sujeito
passivo, desde que não revelem valores de débitos ou
fiscal, a partir da ambivalência (sigilo versus transparência), Já em sentido objetivo, a Administração Tributária créditos; 3. ACESSO A INFORMAÇÕES SIGILO-
traduz a atividade administrativa destinada a realizar
principalmente do ponto de vista da troca de informações a aplicação da lei fiscal, visando ao atendimento às III - agregadas, que não identifiquem o sujeito passivo; e SAS POR PARTE DOS TRIBUNAIS DE
sigilosas entre a administração tributária e os Tribunais de finalidades de interesse público consubstanciadas na CONTAS
Contas na persecução de seu mister constitucional. proteção dos direitos dos contribuintes e na arrecadação IV - previstas no § 3º do art. 198 da Lei Nº 5.172, de 1966.
tributária. Assim, sujeita-se ao regime jurídico próprio da
Administração Pública, devendo observar os princípios a ela Feitas estas breves, mas necessárias, considerações, passare-
96 97
ANO • 2 0 23 ANO • 2 0 23