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REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS
aos efeitos nocivos das mudanças climáticas, que afetam de gastos consideráveis com obras de reparação e contenção se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, faz social ou utilidade pública, mas também vários empreendimentos
de forma significativa o ciclo da água e o regime de chuvas, de encostas por desastres decorrentes de chuvas torrenciais e expressa sujeição dos respectivos terrenos marginais e as praias imobiliários de padrão econômico elevado.
aumentando a ocorrência de eventos hidrológicos extremos, enchentes extraordinárias sem permeabilidade e drenagem nem fluviais ao mesmo domínio federal, logicamente, como parte
como inundações, tempestades, deslizamentos de terra e longos sustentação do solo. integrante dos rios, vistos sob perspectiva integral ou ecológica. 4. AS MARGENS DOS RIOS COMO APP
períodos de seca. Por fim, ao evitar o assoreamento dos corpos
d’água, essa vegetação assegura a disponibilidade hídrica e Estudo da Confederação Nacional dos Municípios (2023) A seu turno, o art. 26 da Carta Política de 1988, embora sem a Noutra direção, o Código Florestal, paralelamente, capitula
melhora o escoamento e a vazão da água em casos de chuvas estima que desastres naturais causaram R$ 401,3 bilhões em mesma precisão quanto aos terrenos marginais, coloca os demais regime de preservação das zonas ripárias por meio do instituto
intensas. prejuízos nos últimos dez anos em todo o Brasil, grande parte por rios no patrimônio dos estados-membros, abrangendo todas as das áreas de preservação permanente APP, fixadas por lei em
enxurradas, inundações e chuvas intensas em áreas alagáveis. águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em sua extensão mínima com previsão da possibilidade de outras
Em atenção a essa função ecológica, o Código Florestal (ou Lei depósito (ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes virem a ser criadas por ato do Poder Público. A extensão da
de Vegetação Nativa) define áreas de preservação permanente, Contrastando com isso, mansões, resorts, balneários, estaleiros, de obras da União) assim como as ilhas fluviais e lacustres APP legal é variável segundo a largura do rio, entre 30 (trinta)
em seu artigo 3.º, inciso II, como espaço de função ambiental de portos, marinas, náuticas, clubes, condomínios de luxo e não pertencentes à União. Disso resulta, por interpretação e 500 (quinhentos) metros, nos termos do art. 4.º, inciso I, do
preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade quejandos, são ali edificados, pondo radicalmente abaixo a sistemática, que as margens e praias dos rios estaduais também Código Florestal, incidindo sobre imóveis públicos e privados, em
geológica e da biodiversidade, da facilitação do fluxo gênico da vegetação, demonstrando a ambição e egoísmo que não abrem pertencem ao respectivo ente federado subnacional. Nesse zonas urbana e rural, como espaço de uso restrito, que veda ao
fauna e flora, de proteção do solo e da garantia do bem-estar das mão do desfrute imediato e inconsequente, a qualquer custo, sentido, dispõe, no Amazonas, a Lei 2.754/2002, art. 2 , inciso III. possuidor ou proprietário, desmatar, usar e edificar, ressalvadas
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populações humanas. sem atinar que causam a ruina do manancial e de seus atrativos, intervenções de baixo impacto ambiental de utilidade pública ou
se não agora, no futuro próximo, sob a omissão do Poder Público, No que se refere ao critério de medição e dimensionamento dos interesse social.
Não obstante essa qualidade ambientalmente relevante e em alguns casos, propositalmente, no rastro da corrupção que se terrenos marginais, também denominados terrenos reservados,
geograficamente abrangente, são comuns as intervenções instala em alas da fiscalização estatal. o Decreto-lei 9.760/1946, art. 4o preconiza serem terrenos Importa distinguir que as áreas de preservação permanente APP
antrópicas, que modificam sua feição originária em detrimento marginais os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do são faixas marginais, não totalmente coincidentes e sobrepostas
dos serviços ambientais prestados. É tradicional se sediarem as De outro lado, sem escolha, nesses espaços, milhares de alcance das marés, vão até a distância de 15 (quinze) metros, aos anteriormente definidos terrenos marginais (do domínio
coletividades nesses espaços, com significativas intervenções, vítimas do grave problema do déficit da política habitacional e medidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde público). Mais extensas, podem recair, ipso facto, sobre fração de
em virtude da proximidade das águas e todas as pertinentes do racismo ambiental. Populações excluídas e empurradas para a linha média das enchentes ordinárias. terras públicas e privadas mais centrais e afastadas das bordas
vantagens, de ordem existencial, laboral, econômica, estética, submoradias e palafitas vulneráveis nas áreas alegáveis, ao do rio, todavia, sempre integrantes da bacia hidrográfica ou de
social, espiritual e sanitária. Acontece que a urbanização relento da ineficiência do Estado, que faz disso, muitas vezes, Como se nota facilmente da definição legal, esses terrenos outro ecossistema especial, sujeitando os respectivos titulares
desordenada das últimas décadas deu caráter nocivo e clientelismo eleitoreiro, corrupto e nefasto. À falta de cultura marginais não se confundem com as áreas ordinária e e ocupantes à limitação administrativo-ambiental, necessária, à
destrutivo ao avanço sobre as faixas marginais, motivo tanto de de prevenção e precaução, tais comunidades não tem a menor periodicamente alagáveis ou inundáveis pelo regime das cheias, luz da Ciência, à preservação da cobertura vegetal ciliar, do solo
desmatamento e degeneração dos cursos d’água assim como de noção de como lutar pela vida quando o pior ocorre. que constituem o álveo do rio e os ecossistemas aquáticos, e seus demais elementos ambientais naturais, e que impede,
desastres que tem ceifado várias vidas humanas e trazem custos dentre os quais os igapós e várzeas, abundantes e biodiversos na forma do Código Florestal, a supressão radical e nociva da
bilionários em recuperação. O problema piora a cada dia. Segundo nota técnica da rede na Floresta Amazônica e no Pantanal, de modo a merecem vegetação nativa.
Mapbiomas (2022 ), entre 1985 e 2020, a ocupação de áreas tratamento especial que ainda não vingou no direito positivo
Levantamento feito pelo Serviço Geológico Brasileiro, urbanas marginais aos rios dobrou. pátrio. Essa proteção jurídica, especial e redobrada, das margens e
apresentado em 2023 pela CNN, concluiu que 3,9 milhões entornos dos corpos hídricos (em APP e Terrenos Marginais),
de pessoas vivem em 13.297 áreas de risco no Brasil. Dentre Dados apresentados pela Confederação Nacional de Municípios- Os terrenos marginais, de domínio público, são naturalmente se justifica nas relevantes funções ecossistêmicas dessas
as razões apresentadas para os números elevados consta a CNM (2023, p.8) demonstram que 93% dos Municípios Brasileiros destinados ao uso comum do povo, nos termos do Código Civil, áreas, fundamentais à preservação dos cursos d’água, seus
omissão do poder público local e o seu baixo desempenho na foram atingidos por algum desastre natural, tendo como em conformidade com os usos múltiplos e universais que são elementos abióticos e bióticos, da fauna e da flora aquáticas
oferta habitacional popular. consequência o registro de emergência ou estado de calamidade próprios dos rios, razão pela qual, por afetação prevista na e, por consequência, à sadia qualidade de vida dos ribeirinhos,
pública. No mesmo estudo, foi constatado que no período de Constituição, não podem ser comercializados, desmatados e populações vizinhas, banhistas, empreendedores, turistas e
Por outro lado, dados obtidos pelo MapBiomas e disponibilizados 2013 à 2022, mais de 2,2 milhões de moradias foram atingidas alienados pelo Poder Público como se fossem terras devolutas ou dos usuários em geral do rio. Além disso, são faixas de terra
pela ONG WWF-Brasil, indicam uma tendência de redução da em todo país, em decorrência dos desastres, o que afetou mais dominicais disponíveis, devendo se submeter a regime especial essenciais à estabilidade geológica e climática, pela proteção ao
superfície da água, que já atingiu o percentual de perda de 15% de 4,2 milhões de pessoas. indisponível similar ao dos terrenos de marinha. solo e ao fluxo das águas, evitando-se alagamentos, enxurradas,
entre 1990 e 2020. deslizamentos e inundações extraordinárias.
3. AS MARGENS DOS RIOS COMO DO- A interpretação sistemática constitucional, guiada pela dicção
2. OS CUSTOS E PREJUÍZOS COM CA- MÍNIO PÚBLICO dos direitos fundamentais e dos princípios sensíveis, conduz Sobre o critério de medição das APP, resta superada a controvérsia
TÁSTROFES EM ÁREAS ALAGÁVEIS E ao motivo de submissão dessas faixas marginais ao patrimônio que havia sobre a interpretação do Código Florestal e imaginado
AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS público, consistente na relevância ambiental do espaço, com retrocesso imposto pela vontade do legislador na literalidade
Os terrenos do entorno dos cursos d’água, na faixa mais próxima a clara finalidade de sua preservação a bem dos serviços dos arts. 3 e 4 deste diploma normativo. A discussão era se
o
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das bordas, estão sujeitos ao domínio público imobiliário por ecossistêmicos ali extraídos em benefício de toda a coletividade. as disposições técnicas da Resolução 303 CONAMA quanto à
A destruição das APP marginais, especialmente as urbanas, tem definição constitucional. metragem da APP teria sido tacitamente revogada ou não pelo
causado e pode causar ainda perdas financeiras e econômicas de Aliás, em vista disso, tais propriedades públicas não podem ser Código Florestal de 2012.
monta, aos particulares e aos cofres públicos, em vista do cenário Assim é que, textualmente, o art. 20 da Constituição Brasileira, ocupadas e desmatadas indiscriminadamente por particulares,
da crise climática e dos eventos extremos. A perda da vegetação ao elencar, entre os bens da União, os lagos, rios e quaisquer a despeito de encontrarmos, na realidade brasileira, em várias A esse respeito, tendo em vista revogação expressa da referida
ciliar importa redução da resiliência das zonas marginais, impondo correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banham delas, muitas zonas convertidas, com alto índice de edificação resolução sob tal motivação em 2021, o STF examinou o assunto
aos particulares a perda de edificações e ao Estado a realização mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou urbana consolidada, não apenas com infraestruturas de interesse no julgamento da ADPF 747-DF, no qual decidiu de modo a
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