Page 110 - Revista TCE AM - 2023
P. 110

REVIS T A T CE- AM  •  TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS                                                            REVIS T A T CE- AM  •  TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS








              restaurar a Resolução 303 CONAMA, ao fundamento de ofensa   como espaço especialmente protegido instituído pelo Poder   sobre as áreas das bacias hidrográficas, devem ser integradas   Administração Estadual plano de fortalecimento da gestão e do
              ao  princípio constitucional da proibição de retrocesso   Público. Nos termos do art. 7 , inciso X, da Lei 9.433/1997, o plano   e compatibilizadas com os planos e políticas de gerenciamento   comando  e controle da  bacia  hidrográfica  do Tarumã-açu, que
                                                                                          o
              em direito ambiental, decisão essa que se tornou definitiva,   de bacia hidrográfica poderá instituir, para além das legalmente   hídrico, como expressamente dispõe a Lei 9433/1997 (art. 31).   atravessa a capital amazonense e passa por grave problema
              vinculante e erga omnes em 09 de fevereiro de 2022[1].  definidas, zonas de uso restrito, tanto nas águas quanto nos                                                        de usos predatórios. A atuação das Cortes de Contas é legítima
                                                                   terrenos do entorno.                                              Ao se identificar episódios de conflitos ou de usos nocivos,   considerando a missão constitucionalmente definida para o
              Objetivamente, o que se dessume dessa decisão do STF é que,                                                            circunscritos a faixas marginais da cidade, isto é, ao espaço   controle patrimonial e operacional da Administração Pública.
              sem prejuízo à constitucionalidade das disposições do Código   5. A COMPETÊNCIA DA ADMINISTRA-                         municipal, não se deve supor que apenas os órgãos municipais
              Florestal de 2012, definida no julgamento da ADI 4901 e ADC   ÇÃO PÚBLICA DE PRESERVAR AS                              de polícia urbanística e ambiental estariam obrigados a exercer   Paradoxalmente, na contramão, o Congresso Nacional, aprovou,
              42, reconhece-se que as disposições do referido diploma legal   MARGENS E PREVENIR DESASTRES                           fiscalização sobre espaço especialmente protegido, bem   no apagar de 2021, a Lei  14.285, para autorizar que municípios
              não prescindem de regulamentação técnica, que é aquela                                                                 difuso que constitui objeto de propriedade federal e estadual   possam diminuir a faixa legal mínima de restrição de uso das APP
              contida na Resolução 303 CONAMA, segundo a qual a faixa                                                                exatamente para imprimir tutela especial administrativa.   urbanas, com isso, possibilitando o enfraquecimento do regime
              horizontal mínima de proteção às matas ciliares como APP   Patenteada a relevância ambiental, social e patrimonial das                                                      de preservação, para que as cidades avancem sobre os rios e
              legal deve ser contada a partir da borda maior das enchentes   margens dos rios e o seu tratamento jurídico diferenciado,   No Amazonas, a Lei n. 3.167/2007 proclama como objetivo da   empiorando o desafio de mitigação e adaptação das cidades
              ordinárias, em harmonia com o critério adotado para definição   convém aclarar os agentes e setores estatais responsáveis pela   política estadual de recursos hídricos, dentre outros, assegurar   às mudanças climáticas. Espera-se que o STF possa reconhecer
              dos terrenos marginais, sem o retrocesso decorrente de cogitada   gestão e preservação desses espaços protegidos.      o florestamento e o reflorestamento das nascentes e margens   o  manifesto retrocesso  do  regime  de  proteção,  ao  apreciar
              interpretação literal do Código, para medir, em vez disso, da                                                          de cursos hídricos (art. 2.º). Expressamente traça as diretrizes   a ADI 7146, sob a relatoria do Ministro André Mendonça, em
              borda menor de vazante, que deixaria sem proteção as várzeas e   A Constituição Brasileira positiva (no artigo 23 c/c 225) a   (art.  3.º) de ação a manutenção e a recuperação das matas   semelhante motivação usada no julgamento da ADPF 747, que
              demais áreas anualmente inundáveis.                  competência material comum da União, estados e municípios,        ciliares e de proteção dos corpos de água e o desenvolvimento   restaurou a Resolução 303 CONAMA.
                                                                   para a defesa do meio ambiente e da proteção de espaços           de programas permanentes de preservação e proteção dessas
              Por outro lado, igualmente por amparo jurisprudencial, não há   dotados de relevante função e atributos ambientais, em sede   áreas. Ao enunciar a competência fiscalizatória, determina que   CONCLUSÕES
              mais qualquer razoabilidade na tese de falta de função ecológica   da qual todos os entes federados devem fiscalizar e coibir a   o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas-IPAAM, como
              dos  rios  urbanos,  seja  pela  poluição  de  suas  águas,  seja  pelo   degradação e a poluição.                     órgão executor da política (art. 63 e 68), exerça o poder de polícia   Ao cabo do exposto, podemos tecer as seguintes considerações
              alto grau de ocupação de suas margens, de modo a justificar                                                            sobre o uso das águas e das margens e manda que a Presidência   à guisa de conclusão:
              que o IPAAM não exerça sua função de governança territorial   Nesse lamiré, as águas, os terrenos do entorno, e a respectiva   do IPAAM expeça ato para a disciplina da documentação
              e fiscalizatória sobre as margens dos rios estaduais que cortam   bacia hidrográfica como um todo, devem ser fiscalizados pelos   necessária (art. 69, parágrafo único).    1.   As  margens  dos  rios  são zonas  ripárias  que  constituem
              a capital amazonense. Ora, pelo Tema 1010, o STJ fixou a tese   órgãos ambientais de todos os níveis, integrantes do SISNAMA,                                               ecossistema  fundamental  à  regulação  climática,  da
              protetiva das APP urbanas, in verbis: na vigência do novo Código   nos termos da Lei Complementar 140/2011.            No Amazonas, não há evidências de atividade fiscalizatória   biodiversidade e da sadia qualidade de vida na bacia hidrográfica,
              Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas                                                          eficiente em campo, dos Órgãos Ambientais, hábeis a coibir o   cuja degradação ameaça a dignidade humana, o ciclo das águas e
              Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água,   Além  desse policiamento  administrativo  geral,  as  bacias   uso indevido das APPs e dos Terrenos Marginais e garantir a   a resiliência das cidades aos desafios de prevenção de desastres;
              perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área   hidrográficas estão submetidas aos regimes de controle   salvaguarda destas  contra as  pretensões  de ocupação e usos
              urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu   e de gerenciamento, exercidos mais particularmente pela   nocivos. A pesquisa de José Marques da Silva, Carlossandro   2. As margens dos rios, inclusive no meio urbano, são bens
              art. 4.º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar   Administração dos entes federados em cujo patrimônio estão   Carvalho  de Albuquerque e Flavio Wachhholz na região do   ambientais e espaços especialmente protegidos cuja integridade
              a  mais  ampla  garantia  ambiental  a  esses  espaços  territoriais   inseridas.                                      Tarumã-açu no bojo do projeto PROFAGUAS-UEA aponta para   a Constituição assegura juridicamente;
              especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.                                                           a má qualidade da gestão das margens dos rios estaduais e o
                                                                   Se as margens e o rio forem de propriedade federal (sem           descontrole dos usos, fato praticamente notório.     3. As zonas do entorno mais próximas dos rios são de domínio
              Como  se  lê,  ao  fazê-lo,  de  par  com  a  sua  Súmula  613,  o  STJ   perder de vista o caráter de bem difuso), devem ser tutelados                                     público imobiliário (terrenos marginais, na faixa de 15 metros
              afastou o abandono administrativo de áreas identificadas como   pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), enquanto órgão   É preciso que as políticas de enfrentamento às mudanças   da linha das enchentes ordinárias) por força da Constituição e
              “urbanas consolidadas”, vez que estas devem comportar planos   responsável pelo patrimônio hídrico federal, em articulação com   climáticas e de prevenção de desastres possam atuar estratégica   as demais são áreas de preservação permanente nos termos do
              de regularização, de recuperação e reflorestamento e prevenção   a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico ANA, em   e intensamente nesses espaços sem prejuízo ao necessário   Código Florestal.
              de  desastres,  impedindo-se  novas  supressões  e  edificações   conformidade com o Decreto-lei 9.760/1946, combinado com a   comprometimento do mercado e da sociedade para muito além de
              nocivas e arriscadas.                                Instrução Normativa SPU/SEDDM/ME 28, de 26 de abril de 2022,      propagandas enganosas e iniciativas toscas de ESG corporativo   4. Ante  a evidência de crescentes ocupações irregulares nas
                                                                   assim como a Lei 9.984/2000.                                      (climatewashing).                                    faixas marginais,  a mercê  do perigo  das mudanças  climáticas,
              Nessas áreas consolidadas, há de haver identificação e                                                                                                                      são inadiáveis políticas públicas e medidas administrativas para
              fiscalização do Poder Público com o objetivo de impedir novas   Relativamente aos rios estaduais, por simetria, a Administração   Atento ao dever de controle externo da eficiência administrativa,   o fortalecimento da governança desses espaços, promovendo
              ocupações e a piora da degradação e do risco de dano ambiental e   Estadual há de definir o órgão gestor e o órgão de polícia   nessa matéria, o TCE/AM expediu comando específico, ao julgar   regularização ambiental e evitando novas ocupações em áreas
              perigo à própria segurança das pessoas nessas áreas vulneráveis   administrativa da bacia hidrográfica, responsáveis por controlar   procedente a Representação Ministerial n  257/2017, por meio   críticas  sujeitas  às enchentes  e  inundações  cada vez  mais
                                                                                                                                                                       o
              a desastres no contexto da crise climática, prevenção essa   os usos tanto das águas como dos terrenos do entorno. Além   do Acórdão 395/2021 – Tribunal Pleno (relator Conselheiro   frequentes por efeito das mudanças no clima.
              determinada a estados e a municípios, pela Lei de Desastres,   disso, há de criar, como instrumento obrigatório de governança,   Érico Xavier Desterro e Silva), no sentido de recomendar à
              como se pode conferir na Lei 12.608/2012, art. 7.º, IV, art. 8.º,   os comitês de bacias (parlamento dos usuários), as agências de
              IV e V.                                              águas, na forma da lei 9.433/1997,  tendo por base a formulação
                                                                   do plano de gerenciamento de bacia, a classificação das águas e
              Por último, é relevante registrar, noutro lume, que outras faixas   as outorgas e cobranças de uso.
              ripárias da bacia hidrográfica poderão vir a ser incorporadas à
              zona de uso restrito por imperativo de preservação ambiental   Nessa esteira, aliás, as políticas setoriais e urbanísticas locais,







           110                                                                                                                                                                                                                               111
                                                                                                     ANO • 2 0 23                    ANO • 2 0 23
   105   106   107   108   109   110   111   112   113   114   115