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REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS
restaurar a Resolução 303 CONAMA, ao fundamento de ofensa como espaço especialmente protegido instituído pelo Poder sobre as áreas das bacias hidrográficas, devem ser integradas Administração Estadual plano de fortalecimento da gestão e do
ao princípio constitucional da proibição de retrocesso Público. Nos termos do art. 7 , inciso X, da Lei 9.433/1997, o plano e compatibilizadas com os planos e políticas de gerenciamento comando e controle da bacia hidrográfica do Tarumã-açu, que
o
em direito ambiental, decisão essa que se tornou definitiva, de bacia hidrográfica poderá instituir, para além das legalmente hídrico, como expressamente dispõe a Lei 9433/1997 (art. 31). atravessa a capital amazonense e passa por grave problema
vinculante e erga omnes em 09 de fevereiro de 2022[1]. definidas, zonas de uso restrito, tanto nas águas quanto nos de usos predatórios. A atuação das Cortes de Contas é legítima
terrenos do entorno. Ao se identificar episódios de conflitos ou de usos nocivos, considerando a missão constitucionalmente definida para o
Objetivamente, o que se dessume dessa decisão do STF é que, circunscritos a faixas marginais da cidade, isto é, ao espaço controle patrimonial e operacional da Administração Pública.
sem prejuízo à constitucionalidade das disposições do Código 5. A COMPETÊNCIA DA ADMINISTRA- municipal, não se deve supor que apenas os órgãos municipais
Florestal de 2012, definida no julgamento da ADI 4901 e ADC ÇÃO PÚBLICA DE PRESERVAR AS de polícia urbanística e ambiental estariam obrigados a exercer Paradoxalmente, na contramão, o Congresso Nacional, aprovou,
42, reconhece-se que as disposições do referido diploma legal MARGENS E PREVENIR DESASTRES fiscalização sobre espaço especialmente protegido, bem no apagar de 2021, a Lei 14.285, para autorizar que municípios
não prescindem de regulamentação técnica, que é aquela difuso que constitui objeto de propriedade federal e estadual possam diminuir a faixa legal mínima de restrição de uso das APP
contida na Resolução 303 CONAMA, segundo a qual a faixa exatamente para imprimir tutela especial administrativa. urbanas, com isso, possibilitando o enfraquecimento do regime
horizontal mínima de proteção às matas ciliares como APP Patenteada a relevância ambiental, social e patrimonial das de preservação, para que as cidades avancem sobre os rios e
legal deve ser contada a partir da borda maior das enchentes margens dos rios e o seu tratamento jurídico diferenciado, No Amazonas, a Lei n. 3.167/2007 proclama como objetivo da empiorando o desafio de mitigação e adaptação das cidades
ordinárias, em harmonia com o critério adotado para definição convém aclarar os agentes e setores estatais responsáveis pela política estadual de recursos hídricos, dentre outros, assegurar às mudanças climáticas. Espera-se que o STF possa reconhecer
dos terrenos marginais, sem o retrocesso decorrente de cogitada gestão e preservação desses espaços protegidos. o florestamento e o reflorestamento das nascentes e margens o manifesto retrocesso do regime de proteção, ao apreciar
interpretação literal do Código, para medir, em vez disso, da de cursos hídricos (art. 2.º). Expressamente traça as diretrizes a ADI 7146, sob a relatoria do Ministro André Mendonça, em
borda menor de vazante, que deixaria sem proteção as várzeas e A Constituição Brasileira positiva (no artigo 23 c/c 225) a (art. 3.º) de ação a manutenção e a recuperação das matas semelhante motivação usada no julgamento da ADPF 747, que
demais áreas anualmente inundáveis. competência material comum da União, estados e municípios, ciliares e de proteção dos corpos de água e o desenvolvimento restaurou a Resolução 303 CONAMA.
para a defesa do meio ambiente e da proteção de espaços de programas permanentes de preservação e proteção dessas
Por outro lado, igualmente por amparo jurisprudencial, não há dotados de relevante função e atributos ambientais, em sede áreas. Ao enunciar a competência fiscalizatória, determina que CONCLUSÕES
mais qualquer razoabilidade na tese de falta de função ecológica da qual todos os entes federados devem fiscalizar e coibir a o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas-IPAAM, como
dos rios urbanos, seja pela poluição de suas águas, seja pelo degradação e a poluição. órgão executor da política (art. 63 e 68), exerça o poder de polícia Ao cabo do exposto, podemos tecer as seguintes considerações
alto grau de ocupação de suas margens, de modo a justificar sobre o uso das águas e das margens e manda que a Presidência à guisa de conclusão:
que o IPAAM não exerça sua função de governança territorial Nesse lamiré, as águas, os terrenos do entorno, e a respectiva do IPAAM expeça ato para a disciplina da documentação
e fiscalizatória sobre as margens dos rios estaduais que cortam bacia hidrográfica como um todo, devem ser fiscalizados pelos necessária (art. 69, parágrafo único). 1. As margens dos rios são zonas ripárias que constituem
a capital amazonense. Ora, pelo Tema 1010, o STJ fixou a tese órgãos ambientais de todos os níveis, integrantes do SISNAMA, ecossistema fundamental à regulação climática, da
protetiva das APP urbanas, in verbis: na vigência do novo Código nos termos da Lei Complementar 140/2011. No Amazonas, não há evidências de atividade fiscalizatória biodiversidade e da sadia qualidade de vida na bacia hidrográfica,
Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas eficiente em campo, dos Órgãos Ambientais, hábeis a coibir o cuja degradação ameaça a dignidade humana, o ciclo das águas e
Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, Além desse policiamento administrativo geral, as bacias uso indevido das APPs e dos Terrenos Marginais e garantir a a resiliência das cidades aos desafios de prevenção de desastres;
perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área hidrográficas estão submetidas aos regimes de controle salvaguarda destas contra as pretensões de ocupação e usos
urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu e de gerenciamento, exercidos mais particularmente pela nocivos. A pesquisa de José Marques da Silva, Carlossandro 2. As margens dos rios, inclusive no meio urbano, são bens
art. 4.º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar Administração dos entes federados em cujo patrimônio estão Carvalho de Albuquerque e Flavio Wachhholz na região do ambientais e espaços especialmente protegidos cuja integridade
a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais inseridas. Tarumã-açu no bojo do projeto PROFAGUAS-UEA aponta para a Constituição assegura juridicamente;
especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. a má qualidade da gestão das margens dos rios estaduais e o
Se as margens e o rio forem de propriedade federal (sem descontrole dos usos, fato praticamente notório. 3. As zonas do entorno mais próximas dos rios são de domínio
Como se lê, ao fazê-lo, de par com a sua Súmula 613, o STJ perder de vista o caráter de bem difuso), devem ser tutelados público imobiliário (terrenos marginais, na faixa de 15 metros
afastou o abandono administrativo de áreas identificadas como pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), enquanto órgão É preciso que as políticas de enfrentamento às mudanças da linha das enchentes ordinárias) por força da Constituição e
“urbanas consolidadas”, vez que estas devem comportar planos responsável pelo patrimônio hídrico federal, em articulação com climáticas e de prevenção de desastres possam atuar estratégica as demais são áreas de preservação permanente nos termos do
de regularização, de recuperação e reflorestamento e prevenção a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico ANA, em e intensamente nesses espaços sem prejuízo ao necessário Código Florestal.
de desastres, impedindo-se novas supressões e edificações conformidade com o Decreto-lei 9.760/1946, combinado com a comprometimento do mercado e da sociedade para muito além de
nocivas e arriscadas. Instrução Normativa SPU/SEDDM/ME 28, de 26 de abril de 2022, propagandas enganosas e iniciativas toscas de ESG corporativo 4. Ante a evidência de crescentes ocupações irregulares nas
assim como a Lei 9.984/2000. (climatewashing). faixas marginais, a mercê do perigo das mudanças climáticas,
Nessas áreas consolidadas, há de haver identificação e são inadiáveis políticas públicas e medidas administrativas para
fiscalização do Poder Público com o objetivo de impedir novas Relativamente aos rios estaduais, por simetria, a Administração Atento ao dever de controle externo da eficiência administrativa, o fortalecimento da governança desses espaços, promovendo
ocupações e a piora da degradação e do risco de dano ambiental e Estadual há de definir o órgão gestor e o órgão de polícia nessa matéria, o TCE/AM expediu comando específico, ao julgar regularização ambiental e evitando novas ocupações em áreas
perigo à própria segurança das pessoas nessas áreas vulneráveis administrativa da bacia hidrográfica, responsáveis por controlar procedente a Representação Ministerial n 257/2017, por meio críticas sujeitas às enchentes e inundações cada vez mais
o
a desastres no contexto da crise climática, prevenção essa os usos tanto das águas como dos terrenos do entorno. Além do Acórdão 395/2021 – Tribunal Pleno (relator Conselheiro frequentes por efeito das mudanças no clima.
determinada a estados e a municípios, pela Lei de Desastres, disso, há de criar, como instrumento obrigatório de governança, Érico Xavier Desterro e Silva), no sentido de recomendar à
como se pode conferir na Lei 12.608/2012, art. 7.º, IV, art. 8.º, os comitês de bacias (parlamento dos usuários), as agências de
IV e V. águas, na forma da lei 9.433/1997, tendo por base a formulação
do plano de gerenciamento de bacia, a classificação das águas e
Por último, é relevante registrar, noutro lume, que outras faixas as outorgas e cobranças de uso.
ripárias da bacia hidrográfica poderão vir a ser incorporadas à
zona de uso restrito por imperativo de preservação ambiental Nessa esteira, aliás, as políticas setoriais e urbanísticas locais,
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